mai-britt wolthers

aquações

Aparentemente a silhueta de Finn, o humano aparece em uma das pinturas presen- tes na exposição. Talvez não seja por acaso esse aparecimento repentino do perso- nagem da série animada Hora de Aventura, tal personagem vive na Terra do Ooo – há indícios de ser a própria terra após um desastre nuclear. Jake, o cão, é o melhor amigo e irmão adotivo de Finn. Jake é um cão amarelo que possui poderes graças

a uma poça de lama mágica. Seu poder o torna capaz de controlar partes do corpo: mudança de sua forma e dimensão. O que representa a possibilidade de transmutar-se em outras coisas necessárias durante os episódios. Jake já foi um carro, uma chave e sempre se agiganta para levar Finn acima das copas das árvores ou sobre as águas.

Quando Mai-Britt identifica o conjunto de suas obras como Equações, ela nos esti- mula a pressupor que existam problemas que devem ou não ser resolvidos. Quais são as questões que a pintura levanta nos dias de hoje? Quais os possíveis suportes para a prática? Qual é o tempo da pintura?

x) Observamos nos trabalhos que os elementos de sua pintura pululam de um suporte ao outro. Uma mancha azul ou preta passa da pintura para a gravura ou da pintura para o espaço. Os grafismos existentes nas pinturas em papel são sintetiza- dos na gravura em metal ou convertidos em tridimensionais nas peças em fibra de vidro. As formas se repetem quase sempre e são perseguidas pela artista.

y) O verde que aparecia nos trabalhos anteriores dá lugar a uma paleta com predo- minância de cinza e o espaço externo tão procurado nas pinturas de paisagem dá lugar ao espaço doméstico. Em conversa com a artista, ela cita a origem das figuras que aparecem nos trabalhos - fotografias que mostram a residência de uma pessoa que vive na Dinamarca, cidade natal da artista. Mai-Britt escolhe partes e assuntos das imagens e as combina com outros elementos encontrados em um segundo con- junto de fotografias. Em um momento podem ser elementos amorfos e em outro as manchas, garatujas e grafismos passam a nos sugerir algo que reconhecemos como cão, gato, mesa, cadeira, casa

a+b) Superfície e fundo recebem a mesma importância na pintura. A artista mantém um controle no uso dos espaços pictóricos. Se vemos nas pinturas o cinza como cer- ta cor predominante, vemos também o aparecimento de cores pontuadas no plano que criam um ritmo para que o olho percorra o espaço da pincelada – rosa, azul, verde, laranja. Um dado importante que aparece nas pinturas é a tentativa de escon- der elementos anteriormente pintados, mais do que ser uma maneira de apagar um erro, a escolha parece querer evidenciar o seu ato.

f) Nos trabalhos atuais o embate entre abstração e figuração é mais evidente que nas produções anteriores, antes a paisagem brasileira servia como mote quase

que exclusivo de interesse da artista, o que resultava em uma produção formada por manchas de cores que aludiam às florestas brasileiras. Hoje a sua pintura se preocupa com outras concepções, do espaço-cor a formas de pintar. Claro que não é apenas pelas características formais que devemos olhar a produção da artista, seus motivos e interesses também estão em um processo de mudança.

z) O projeto apresentado na I Mostra do Programa de Exposições 2014 foi exibido como uma grande parede que se estendeu em linha pelo Centro Cultural São Paulo, os trabalhos não se fechavam no espaço de uma sala, mas davam ao espectador a possibilidade de vê-los de outros pontos de vista do edifício e seguiam como uma linha que acompanhava o visitante durante o seu deslocamento.

d) A escultura é um meio recente da produção da artista, um momento de experi- mentar outros materiais e formas de exibição. A fibra de vidro, material utilizado na confecção das esculturas são comumente utilizados na construção de carros, barcos, piscinas, aviões, pranchas de surfe. Tais peças podem causar um certo estranhamento quando exibidas - são como aliens de uma ordem muito específica ou talvez um experimento agigantado de massinha de modelar. Diferente do personagem Jake, o cão que transmuta-se em outras coisas e segue a função de proteger Finn, os trabalhos de Wolthers passam para outros formatos sem a necessidade de serem funcionais. Cria-se ali uma vida própria e independente de seu ponto de ori- gem. O desenho anteriormente planificado se estende para mais próximo do corpo do espectador, surge aí a mais difícil das equações: aquela que dá o valor de força suficiente para que o inanimado saia da pintura e caia no mundo.

 

Exposição “Equações” - CCSP - Centro Cultural São Paulo - Brasil / 2014