daniel lie
Seu Lázaro e o efeito broxante da Philodendron bipinnatifidum
Seu Lázaro conhece bem os efeitos da Guaimbê ou Banana-de-macaco ou Banana-timbó ou Banana-de-morcego ou Philodendron bipinnatifidum. Seu Lázaro tanto conhece que inclusive passa longe de qualquer arbusto que possa parecer com a planta. “Dá impotência!”, o guarda noturno sempre repete no momento seguinte ao elogio feito a planta por algum morador. Elogiam as frondosas ramificações da colônia que ornamentam metade dos prédios residenciais da rua que Seu Lázaro trabalha desde os vinte e dois anos de idade. Falam também do clima fresquinho que é encontrado próximo as plantas, da beleza dos jardins e da umidade que faz abrir os pulmões. A planta cresce bem nesse clima. Planta de prédio.
Seu Lázaro sabe das coisas, tanto sabe que tem dezoito filhos. Sim, dezoito! Dez do primeiro relacionamento e oito com a segunda esposa. São muitos anos olhando a planta de longe: “Ela lá e eu cá!”. Quando indagado por algum morador sobre a “frescura” que é “acreditar nessas besteiras”, Seu Lázaro inicia a contagem e em seguida enuncia o nome de todos os dezoito filhos em ordem de nascimento.
Talvez a chave para entender tal situação seja o seu oposto, é uma hipótese, ao invés de provocar a impotência, o que se prova é o poder de nascimento e de fecundidade associada a planta. Para os Guarani Mbyá, povos originários que vivem em regiões do Brasil, Argentina e Paraguai, o fruto da Guiambê é associado a figura masculina, sendo uma oferenda realizada nas cerimonias Nhemongaraí ou Mitâ Karaí, o elemento é usado na nominação dos meninos durante a cerimonia de batismo.
Seu Lázaro mal sabe que a Banana-de-morcego pode ter dado a ele todos os dezoito filhos.
Exposição “Pacto com o futuro” - CCSP - Centro Cultural São Paulo - Brasil / 2015 (primeiro texto)
Bug do Milênio
Em mil novecentos e trinta e nove a Westinghouse Electric Company construiu para a Primeira Feira Mundial de Nova York - cujo lema era “Dawn of a New Day - O amanhecer de um novo dia” - uma cápsula do tempo. Um recipiente em forma de tubo feito em cromo, cobre e prata e que guardava em seu interior um conteúdo variado: aparelho de barbear; lã; borracha; relógio; caneca do Mickey Mouse; cópias da revista Life; cigarros Camel; milhares de páginas de texto em microfilme; sementes de uso comum - trigo, milho, aveia, tabaco, algodão, linhaça, arroz, soja, alfafa, beterraba, cenoura e cevada; uma fotografia da sede da General Motors; outra fotografia de um automóvel; fotografias dos transformadores da Westinghouse; imagens das obras Guernica de Picasso e A persistência da memória de Salvador Dali e mais uma infinidade de outros materiais. Além de todas essas coisas, a promessa de um futuro, já que a cápsula só deverá ser aberta no ano de seis mil novecentos e trinta e nove, ou seja, cinco mil anos depois de sua criação. Albert Einstein estava presente no enterro da cápsula, de sua boca saiu mais ou menos o seguinte pronunciamento: “… as pessoas vivem em diferentes países e matam-se umas às outras em intervalos irregulares de tempo, por esta razão qualquer um que pense sobre o futuro vive no medo e no terror.” Falava antes sobre o desenvolvimento do planeta, de como podemos transmitir informações a todo o mundo e ao mesmo tempo sermos incapazes de distribuir os bens de uma forma igualitária.
Passados vinte e cinco anos, foi enterrada uma segunda cápsula, isso remonta ao ano de mil novecentos e sessenta e quatro, na época editaram um livro com três mil cópias impressas em “papel permanente” com tintas especiais que foram distribuídas para museus, mosteiros, templos e bibliotecas em todo o mundo, o livro contém a história das cápsulas e as instruções para localiza-las usando dados astronômicos. Os materiais desta segunda cápsula mostram o progresso entre os anos - cartão de crédito, pílulas anticoncepcionais, antibióticos, lentes de contato, escova de dente elétrica, fibras sintéticas e “material atômico” - mini monitor de radiação, amostra de carbono 14, filme sobre o submarino nuclear Nautilus e sobre a primeira usina nuclear de larga escala Calder Hall (A Westinghouse Electric Company é uma produtora de energia nuclear). O mesmo processo se repete: são escolhidos materiais que fazem sentido para um determinado grupo de pessoas que acreditam que tais objetos se tornarão artefatos importantes na construção da identidade de uma civilização (Americano, homem, branco), seguido pela solenidade e enterro. O ato se torna uma alegoria da morte.
Em Pacto com o futuro, Daniel Lie ocupa o vão entre as passarelas de acesso aos pisos do Centro Cultural São Paulo, os trabalhos espalhados pelos pisos se integram ao funcionamento do espaço: as plantas, as frutas e os minerais formam um corpo orgânico pela instituição. Com o projeto, Lie constrói micro experiências de tempo. “Tempo da terra”: que está lá sendo calculado durante a decomposição das frutas que seguem em velocidades variadas, dependendo do tipo e de como estão acondicionadas - com ou sem vácuo - a deterioração das frutas dentro desta atmosfera modificada é mais lenta que as que estão dentro de sacos com a presença de O2, porém as frutas possuem uma vida, e quando respiram, liberam gases que estufam o plástico. Estão ali querendo sair do espaço e condição que se encontram, a escultura cria uma vida independente de seu executor. Até o término deste texto a exposição não tinha chegado ao fim, o coco soltava sua água e as laranjas, bananas, mangas, limões e mamões já tinham perdido a cor, apodreciam deixando marcas no chão. “Tempo geológico”: quartzo fumê e turmalina, os minerais já existem por gerações, vivem por aí desde antes dos primeiros dinossauros.
“Tempo do feitio e da artesania”: cada estrutura de corda que sustenta as plantas é feita em macramê - nó sobre nó - lembram avós em seus tempos dilatados a fazer grandes estruturas para embelezar a sala. “Tempo da contemplação”: plantas criam uma empatia às pessoas, elas se reconhecem nelas. A Guaimbê (Philodendron bipinnatifidum) é muito usada em projetos paisagísticos, quase sempre aparece junto à sua prima Costela de Adão.
A fruição de Pacto com o futuro se dá a partir da curiosidade e estranheza que desperta no espectador e levanta algumas questões sobre o tempo de existência de uma obra e da finitude da vida. O que será de nosso futuro? Sem nenhuma base de Futurologia. Talvez ele seja bom, homem-animal convivendo no Paraíso de Jeová “A Terra, sim, um belo lar / Então por fim, vai se tornar”. Talvez não tão bom assim. Especulam ataques zumbis, apocalipse bíblico, “queda do céu” e uma catástrofe planetária provocada pelo homem.
Talvez um desastre nuclear em larga escala. Para quê então regar as plantas toda segunda-feira?
Exposição “Pacto com o futuro” - CCSP - Centro Cultural São Paulo - Brasil / 2015 (segundo texto)
vídeo por Rudá Cabral, Gokula Stoffel e Pedro Barros
fotos Vanessa Bohn Costa