DANIEL BILAC
Cavalo.
Pombo.
Cachorro. Pavão.
Cidade.
Luta.
Cacetete.
Liberdade.
O monumento citado anteriormente é composto por oito colunas antropomórficas simetricamente alinhadas em duplas. Entre as colunas abrem-se frestas de um metro e meio, servindo de caminho para os passantes. Os mármores que constituem as colunas se repetem a cada par: Perlino Bianco, Spider Golden, Rosa Portogalo e Striato Olimpo. Acima das colunas a mesma quantidade de animais aparece em pares, não como a Arca de Noé, já que os animais são duplicados e saíram da mesma forma - os que estão a direita se repetem à esquerda e vice-versa, nenhuma morfologia que delimite macho-fêmea, não há a necessidade de reprodução. O cavalo alado é o primeiro a figurar frente ao monumento, abre o caminho para os demais animais; seguido pelo pombo que se apresenta na mesma escala do cavalo, algo como três metros e meio; o cachorro, um Galgo Afegão de focinho alongado e discreta franja, orna a coluna majestosamente; e por fim o pavão, com sua cauda aberta salvaguarda os demais integrantes do monumento. Os animais foram esculpidos em granito porfirítico com fenocristais de feldspato, material importado de Serra Nevada, Califórnia, EUA, pela empresa representante do material no Brasil, a José Eduardo Linares Pedras Especiais, com sede no interior de São Paulo. Parte do monumento é visível para quem passa pela Rodovia Anchieta em sentindo a Baixada Santista, mais ou menos no quilômetro 60.
Lê-se na placa fundida em bronze localizada a frente das colunas: "Um monumento tem a função de perpetuar na memória coletiva a importância de fatos históricos. A construção aqui presente é uma homenagem as vítimas do incidente ocorrido no carro alegórico da Escola de Samba Pena de Prata queimado no carnaval de 1977 em Santos, São Paulo. Cada elemento tem o seu simbolismo - o cavalo representa a força; o pombo, a liberdade; o cachorro, a lealdade; o pavão, a exuberância da vida. Agradecimentos especiais às empresas Marmoraria Natural Manhattan e Ecovias pela ajuda na manutenção da história”.
12 de outubro de 2015
———
A empresa José Eduardo Linares Pedras Especiais se localiza no município de Santa Rita do Passa Quatro, São Paulo.
A imagem produzida pela descrição anterior é uma grande colagem dos mais variados elementos possíveis e carrega em sua formação um pouco do defendido por Mario de Andrade, sem dúvida dentro de outra situação e contexto, no entanto também nos serve de exemplo:
[...] só vejo um jeito do monumento ser educativo: é pela grandiosidade obstruente e incomodatícia. O monumento, pra chamar a atenção de verdade, o monumento que obriga a gente a parar, não pode fazer parte da rua. O monumento tem que atrapalhar. (FABRIS, 1997, p. 46)
Essa escala não é produzida apenas pelo tamanho do monumento, mas também pela imagem de poder que nela consta como mais uma camada de leitura. Certos monumentos produzem medo - ou pela narrativa ou pelo material corpulento empregado, já repararam no tanto de bronze usado no saco escrotal do cavalo de Duque de Caxias localizado na Praça Princesa Isabel em São Paulo? É uma conta que não fecha.
Todo monumento carrega uma ideologia, seja ela qual for. Inclusive os antimonumentos - monumentos críticos aos próprios monumentos. Para que se constrói se não para perpetuar uma história? Para que um busto de bronze em espaço público se não para adensar a ideia de poder? O monumento está diretamente ligado a história do vencedor.
Estamos em um momento de rever certas imposições políticas e de não aceitarmos demandas unilaterais, o espaço da rua, o espaço do “comum” é a sobrevida necessária em tempos de esfalecimento da representação política. Neste momento os estudantes secundaristas ocupam centenas de escolas do Estado de São Paulo contra a “reorganização” proposta pelo Governo do Estado, a história oficial está sendo lentamente colocada em cheque, o povo agora é o monumento, o momunento que estorva pra ter voz, que ocupa o espaço público que lhe é de direito, que cria um corpo coletivo para fechar o trânsito e se fazer presente na cidade.
03 de dezembro de 2015
———
FABRIS, Annateresa. Monumento a Ramos de Azevedo: do concurso ao exílio. Campinas: Mercado de Letras, 1997.
Chão.
Monumento.
Colagem.
Monstro.
Como dito anteriormente, Daniel Bilac constrói monumentos Frankensteins e os desqualifica na mesma medida que os cria. Reconhecemos nessa série de trabalhos apresentados no projeto Monumento Vidraça Monumento Ruína dentro da III Mostra do Programa de Exposições 2015 do Centro Cultural São Paulo os típicos elementos de um monumento - bustos helenísticos, coroa de louros, cornijas com belos adornos, cavalos e figuras centralizadas e imponentes. Todos os elementos estão presentes, no entanto, a forma na qual são apresentados os deslocam da ordem esperada e os posicionam sem o pedestal de superioridade. Isso acontece em diversos momentos e formas - ao fragmentar as imagens; ao usar papéis ditos não nobres; ao rasgar esses mesmos papéis; ao apagar as imagens; ao pichar os trabalhos emulando ao movimento das ruas; ao adicionar a figura da pomba em repetição na construção da imagem - pombas são ratos de asa! Pombas não são cavalos alados! Todas essas operações colocam o trabalho de Bilac em outra ordem, não sacraliza a imagem do monumento, ou melhor, a imagem de poder está lá representada, mas sempre em uma luta sendo puxada para baixo.
Uma parte dos trabalhos da exposição estão exibidos no extremo canto da parede e também na diagonal entre parede e chão. Esse movimento de retirar da parede e encostar a obra no solo faz com que a imagem seja rebaixa ao plano do mundo, os trabalhos estão agora no mesmo patamar do espectador e coabitam o espaço comum. Esse movimento tem a mesma função dos descritos anteriormente: rasgar-pichar-apagar-vincar-rabiscar-repetir.
Outro dado incorporado ao trabalho é o aparecimento de palavras feitas em stencil, palavras escritas pela metade que aludem a outras sem de fato estarem escritas: copa, mata, gás, bomba. Os trabalhos de Bilac nunca estão confortáveis, estão sempre buscando uma eminente queda - tanto da imagem quanto de seus significados e usos.
11 de dezembro de 2015
———
Palavras encontradas nos desenhos: MTAA, COP, GS, BMB, BOMB, BLCO, PROIB DO, PIX, PRTO, KOLA
fotos/photos guto muniz
fotos/photos guto muniz