alberto baraya

Expediciones pacíficas

Ribeirão Preto, SP / 1h54 / 23ºC / casa

 

Durante o 8º Festival de Performance de Cali (2012), Colômbia, Baraya tornou-se um dos guias do zoológico, em sua performance Visita el Zoológico con visita guiada y selección musical aviaria (1), que se confundia com o funcionamento do parque. O instrutor/artista caminhava pelo trajeto, criando relações entre os animais e a estrutura física do lugar, associando uma escultura gigante de tartaruga feita de concreto a situações específicas do contexto colombiano: “Aqui não há hipopótamos!”, falava ao mesmo tempo em que batia seu guarda-chuva em uma imagem/propaganda fixada em um poste pelo caminho, onde figurava um hipopótamo. Relembrava com isso a fazenda Nápoles, de Pablo Escobar, e sua criação de animais importados da África via Estados Unidos (deixo aqui minha homenagem ao hipopótamo Pepe, sacrificado pelo exército colombiano no rio Magdalena, depois de fracassadas tentativas de levá-lo de volta à fazenda. O animal havia fugido de seu hábitat “quase” natural). Foi importante ser espectador/visitante de Baraya, mesmo não tendo noção da veracidade de muitos dos contextos [hipóteses: 1 – Não ter o espanhol como idioma fluente; 2 – Não entender toda a história colombiana; 3 – Sim, o artista cruzava narrativas e dados, embaralhando conceitos científicos com a realidade local]. Isso me fez entender parte do processo de pesquisa do artista, sempre em deslocamento: real – com suas andanças/expedições e material –, reorganizando os objetos artificiais a partir de fundamentos culturais e científicos (ou paracientíficos).

 

Olinda, PE / 17h45 / 30ºC / Catedral de Olinda

 

Os holandeses aportaram suas embarcações aqui no século XVII; traziam na bagagem alguns artistas para registrar os costumes dessa terra distante: fauna e flora desenhadas a partir da visão do estrangeiro, levando em seu retorno dados para facilitar a exploração do tropical – banana, goiaba, coco, melão, mandioca, abóbora, repolho, abacaxi, entre outros; a paisagem de terra boa para o plantio, um solo doce para o cultivo; a imagem do escravo com o corpo ideal para o trabalho, e com moral e intelectualidade inferiores às do europeu, serviria para atestar que tudo estava correndo bem. “Não há erro nessa terra, a não ser o calor”, pensaria o colonizador; os selvagens povos primitivos, que ainda hoje devem ser exibidos como imagem dessa região, eram mais passíveis de eliminação. Sempre ao progresso.

 

São Paulo, SP / 23h37 / 22ºC / casa

 

Baraya incorpora o artista-personagem. As múltiplas personalidades o acometem: pesquisador, explorador, antropólogo, instrutor, professor, naturalista e botânico. Uma ou um conjunto delas aparece para construir as lógicas de cada trabalho. Há quatro expedições reunidas: Nova Zelândia (2009), Califórnia (2012), Shanghai (2012) e Machu Picchu (2013), todas inseridas no projeto Herbario de plantas artificiales, iniciado há mais de uma década pelo professor. No projeto, é realizada a catalogação de plantas “Made in China”; há uma estrutura central que se ramifica em duas direções: físicas e históricas. Algumas espécies possuem seus pares na natureza; outras são de difícil catalogação.

A última expedição realizada aconteceu no Peru, e o personagem invocado foi o naturalista explorador (2). O pesquisador possuía um objeto para medir corpos e o utilizava para medir seu crânio, pedia aos turistas ou moradores locais que fizessem tais medições. A cena estava pronta: Baraya segurando seu objeto de estudo – plantas artificiais –, viajante ou residente medindo o crânio do botânico e, ao fundo, quase sempre a paisagem ou imagem difundida por cartões-postais e pelas câmeras dos turistas. Para realizar a série, o pesquisador se baseou nas fotografias realizadas por Milcíades Chaves e Gerardo Reichel-Dolmatoff na Sierra Nevada de Santa Marta, Colômbia (c. 1948). O interesse pelo outro sempre existiu (mesmo que de forma indireta), por exemplo, quando o investigador mantém um diálogo com seringueiros do Acre (3) e tenta entender parte da história política em decorrência do extrativismo. Isso não é apenas incorporar o material humano como objeto de exploração para a conclusão do projeto, mas é também uma tentativa de dar voz ao subalterno. Baraya ironiza os processos executados pelos colonizadores realizando um estudo “obsoleto” da sociedade industrial.

 

Ribeirão Preto, SP / 21h00 / 22ºC / circo montado na periferia da cidade

 

Não há mais animais nos circos, a felicidade triste desses espaços é a mesma de quando os animais ainda existiam como atração: os bichos foram substituídos por homens vestidos com roupas de animais. A primeira atração é um rato que faz piada, seguido de um urso branco com a roupa suja pelo chão de terra; meu sobrinho, na cadeira ao lado, se agarra em mim assustado com tudo aquilo. Por último, dois homens/animais entram no picadeiro, não consigo identificar de qual espécie, possivelmente uma mutação: dois novos seres não catalogados pela Ciência.

 

Ribeirão Preto, SP / 18h40 / 23ºC / shopping center

 

As plantas do artista chegaram ao ponto mais alto da evolução das espécies: já não é necessária água ou qualquer outro procedimento para a manutenção da vida. A taxonomia realizada deixará bases de estudos para posteriores gerações. Há espécies catalogadas por Baraya de rara existência, aparecendo em regiões muito específicas e encontradas com a ajuda da perspicaz capacidade de observação. As descobertas e amostragens são dadas pela primeira vez ao mundo pelo pesquisador.

 

 

Exposição “Expediciones Pacíficas” | Galeria Nara Roesler | São Paulo | Brasil / junho 2013

Expediciones pacíficas

Ribeirão Preto, SP / 1:54 a.m. / 23ºC / home

 

During the 8th Cali Performance Festival (2012), in Colombia, Baraya became one of the zoo guides in his performance Visita el Zoológico con visita guiada y selección musical aviaria (A visit to the zoo with a guided tour and a selection of avian music), (1) which mixed with the park’s usual activities. The guide/artist walked around the zoo establishing relationships between the animals and the physical structure of the place, making a link between a giant concrete sculpture of a turtle with situations that are specific to the Colombian context: “There are no hippos here!” he said as he hit, with his umbrella, a piece of advertising on a lamppost in which there was an image of a hippo. In so doing, he brought to mind Pablo Escobar’s Nápoles farm and the animals he had there, all imported from Africa via USA (here, I pay a tribute to Pepe, the hippo, which the Colombian army sacrificed in Magdalena River after several unsuccessful attempts to take him back to the farm. The hippo had escaped his quasi-natural habitat). Being Baraya’s visitor/spectator was a significant experience, despite not knowing for sure whether several pieces of information were actually true or not [possible reasons: 1- I’m not fluent in Spanish; 2 - I’m not fully aware of the Colombian history; 3 - Yes, the artist did mix narratives and data, local reality and scientific concepts]. That made me understand part of the artist’s research process, in which displacement always plays a key role: real-with his walks/expeditions and materials-while reorganizing artificial objects based on cultural and scientific (or quasi-scientific) grounds.

 

Olinda, PE / 5:45 p.m. / 30ºC / Olinda Cathedral

 

The Dutch arrived here with their ships in the 17th century and brought a number of artists to portray the custom of the distant land: fauna and flora were depicted from the point of view of the foreigner as data to be taken with him to better explore the place: banana, guava, coconut, melon, manioc, pumpkin, cabbage, pineapple, among others; the landscape of a fertile land, suitable for planting, a sweet soil for growing food; the image of the slave whose body was perfect for hard work, and whose intellect and morals were inferior to those of the European, was strong evidence that everything was fine. “There is no mistake in this land, except for the heat,” thought the settler; the savage, primitive people who are, to this very day, the image of this region were easy to eliminate. Moving towards progress, always.

 

São Paulo, SP / 11:37 p.m. / 22ºC / home

 

Baraya embodies the artist-character. He has multiple personalities: researcher, explorer, anthropologist, coach, professor, natural scientist, and plant biologist. Either one or a set of these personalities emerges to create the logics of each work. There are four expeditions: New Zealand (2009), California (2012), Shanghai (2012), and Machu Picchu (2013), and they are all part of a project called Herbario de plantas artificiales [Herbarium of artificial plants], developed by the professor for over a decade. The project consists of cataloguing plants that are “Made in China,” and there is a central structure that is divided in two directions: physical and historical. Some species have peers that are found in nature; others are very difficult to catalog.

The most recent expedition took place in Peru, and the character that emerged was the natural scientist and explorer. (2) The researcher had an object used to measure bodies and he used it to measure the size of his skull; he asked tourists and locals to do the measurement. The scene was ready: Baraya held his object of study-artificial plants-while a traveler or a resident measured the biologist’s skull; in the background, the landscape or image widely disseminated in postcards or by cameras tourists carry with them. In order to create this series, the researcher looked for inspiration in the photographs made by Milcíades Chaves and Gerardo Reichel-Dolmatoff in Sierra Nevada, Santa Marta, Colombia (c. 1948). The interest for the other has always existed (even if in an indirect way), for instance, when the researcher established a dialogue with rubber tappers from Acre State (3) and tried to understand part of the political history as a result of the extracting activities. This is not just about adding human material as an object of exploration to finish the project; it is an attempt to lend voice to the subalterns. Baraya mocks the processes used by settlers by conducting an “obsolete” study on industrial society.

 

Ribeirão Preto, SP / 9:00 p.m. / 22ºC / a circus in the outskirts of the city

 

Animals are no longer used in circuses, and the sad happiness of these spaces exists just as it did when animals were still part of the show: men dressed as animals replaced them. The first attraction is a mouse that makes jokes, followed by a white bear whose clothes are dirty from the earth on the ground, and my nephew, sitting next to me, was scared by all that and held on to me tightly. Finally, two men/animals began their act and I couldn’t figure out what were their species-it was possibly a mutation: two new beings not yet identified by Science.

 

Ribeirão Preto, SP / 6:40 p.m. / 23ºC / shopping mall

 

The artist’s plants have reached the evolutionary peak of their species, since they no longer depend on water or any sort of procedure to be alive. The conducted taxonomy will serve as basis for future generations. Baraya has catalogued some rare species, which are found in very specific regions and only through an acute ability to observe. The researcher presents to the world for the first time the discoveries he made and the samples he collected.

 

 

 

Exhibition “Expediciones Pacíficas” | Galeria Nara Roesler | São Paulo | Brasil / June 2013

fotos/photos everton ballardin